O Parto de uma maratonista
Por Christiane Novaes de Souza
Depois
de 2 gestações, 3 meias maratonas e outras tantas provas de 10 e 5 km, era
chegada a hora de ir além. Precisava de uma vez por todas sair da minha zona de
conforto, e isso pra mim significava não diminuir tempos, nem fazer provas com paces
pseudo-quenianos, significava ir literalmente MAIS LONGE, de preferência 42km
mais longe. Essa vontade toda de superação, com 2 filhos pequenos, trabalho,
marido, vida social. Que sandice!!! POR QUE QUE A GENTE É ASSIM?
E a escolha foi a maratona Caixa de Curitiba. Por 3 razões:
precisava ser no final do segundo semestre, para ter tempo suficiente para
treinar; iria aproveitar para visitar e reencontrar uma das minhas melhores
amigas, a Fabi, que na época morava lá; e por último porque, segundo S. Nilu,
nosso ninja pantaneiro, o clima durante a prova era ótimo, o percurso
maravilhoso, enfim, uma prova “tudibaum”. Martelo batido: CURITIBA AI VOU EU!
Só depois é que fiquei sabendo que o percurso é uma
verdadeira pirambeira. Praticamente um suicídio para a primeira maratona. Mas
não iria voltar atrás, e por mais louco que possa parecer, aquilo só aumentava
minha vontade de ir para Curitiba e PAH! Conquistar os primeiros 42k. Ah,
sempre gostei de uma ladeira mesmo?! POR QUE QUE A GENTE É ASSIM?
Nesse meio tempo, a Fabi se mudou, uma (nada benvinda)
canelite se instalou!! Era vida que seguia.
Quando cogitei em mudar de cidade para correr, minha amiga
foi categórica: "E daí que não estou mais lá? Você vai pra Curitiba sim, e
dar o seu sangue, e fazer um tempaço, e trazer essa medalha pra eu ver
depois" Zuzo bem!!!
A canelite foi embora, com muito gelo, fisioterapia e
oração. Confesso que depois de 30 sessões, meu médico não me deu alta, ELE ME
EXPULSOU DA CLÍNICA, porque eu insistia em dizer "Ainda tem uma
dorzinha". E ele perdeu a paciência: "Você não tem mais nada,
chega de fisioterapia. Se sentir dor novamente, volte" Pura insegurança minha.
POR QUE QUE A GENTE É ASSIM?
Tenho a sorte de fazer parte de um grupo de corrida pra lá
de especial, o Grupo Runner’s, capitaneado por um treinador que é incentivo
puro, que sempre acreditou em mim, mesmo quando nem eu mais acreditava e que
durante toda a preparação me dizia, quase como em forma de mantra “Chris, você
é forte. Fica tranquila, vai tirar de letra”. Diego Souza, não me canso de
dizer, VOCÊ É O CARA!!
Enfim o último longo, os temidos 34km, que por uma ironia
do destino, caiu no feriado de finados, quando nosso grupo de corrida estava
curtindo um descanso, e tudo que tinha era companhia das amigas pra correr os
12k iniciais. Me bateu um desespero inicial, porque sem água e sem os
professores me acompanhando, eu não sou nada. Teria companhia no começo, mas e
depois? Decidi então que seria um treino pra testar os limites psicológicos,
treino pra mente, correr sozinha, sem muito apoio. Era a hora de
transformar o menino em homem. POR QUE QUE A GENTE É ASSIM?
Dia da prova. Acordei bem disposta. Rezei muito, mentalizei
minha chegada (na frente da Queniana, logico), e fui. Encontrei nosso ninja e
meu incentivador mor, S. Nilu, que iria correr os 10km e ficar na torcida por
mim. Em meio aquela multidão na largada, encontrei com duas corredoras de Campo
Grande, de outro grupo de corrida, a Lu e a Marcinha, ultramaratonistas que me
passaram muita tranquilidade já no início. Largamos, fiquei um pouco pra trás,
mas logo encontrei a Lu, que, do seu jeito, me deu o caminho das pedras:
LU: Qual o pace? // EU: 5:40 - 5:50 // LU: Melhor diminuir // EU:
Será? // LU: Tem muito chão pela frente, e as subidas nem começaram ainda. // EU
(contrariada): Ok. vou te acompanhar.
E
seguimos, num pace de 6 a 6:30h. Juntas. No km 18 comecei a sentir dor no pé
esquerdo. No km 21, foi a vez da tendinite do pé direito lembrar que existia. E
me veio o pensamento: “Se to assim na metade da prova, danou-se” Era hora de
desligar o fone de ouvido e puxar assunto com a Lu (que eu mal conhecia). Loucura?? Q nada. Durante os
treinos, eu e minhas parceiras desenvolvemos a arte de correr e conversar (às
vezes com elas, às vezes com Deus). Isso faz uma diferença. Quando percebi, já
estávamos no km 40, e a Lu foi embora. Como um anjo que cumpriu seu papel de te
guiar, sabe?! Sem saber, ela me carregou.
Durante
a preparação, treinei muita subida, em especial no final dos longos, procurando
dar o máximo, chegar no meu limite. Mas nada, definitivamente, nada, se compara
à realidade de Curitiba. Pirambeira. Crueldade em forma de competição. Ladeira
no km 40???? Ribanceira no km 41?? Tá de brincadeira!! Que que é isso? Isso sim
é o chamado “chutar cachorro morto”. Quando suas pernas, já desgovernadas não
respondem a estímulo nenhum, você precisa por em ação os últimos glóbulos
brancos, vermelhos e furta-cor que te restam, porque o sangue propriamente
dito, já foi derramado há 3 ladeiras atrás, parceiro.
Quando,
na última reta pude ver a linha de chegada, com aquele bando de gente gritando e
te empurrando um tiquinho mais, a vontade de chorar era tudo que me restava. As
dores foram esquecidas, a tendinite no pé direito nem era mais sentida. Só
lembrava dos meus filhos, e no exemplo de garra, determinação e perseverança
que ia deixar pra eles. Lembrei da força que recebi de todos os amigos, corredores
e não corredores; as palavras de incentivo do meu treinador (“Chris, você é
forte”); as manhãs de sábado que deixei de ficar com meus gurizinhos, para
cumprir a escala de treino; as noites de sexta-feira que deixei de aproveitar
com o marido, para poder dormir cedo. Tudo. Absolutamente tudo.
A
Queniana não estava atrás de mim, mas ainda assim era o momento da minha consagração
pessoal, da coroação de todo o esforço, do nascimento de uma maratonista.
Emoção pura. Reencontrei a Lu, me esperando na linha de chegada, e não
conseguia falar direito, e mesmo chorando muito, consegui agradecer: “SEM VC
NÃO TERIA CONSEGUIDO, LU. VALEU!”
Dizem
que a corrida, ao contrário do futebol, é um esporte individualista. Quem disse
isso, é porque nunca correu, e não sabe que a união de tanta gente é que faz
dar uma passada, e outra, e mais outra... Mas acima de tudo isso, tenho certeza
que sem a presença de Deus e da minha família, JAMAIS teria conseguido me preparar
e realizar esse sonho.
Terminei
minha primeira marata em 4h26m. Durante todo o domingo caminhava como num pós
parto, com dificuldade para sentar, e levantar então nem se fale, mas quer
saber? To querendo voltar ano que vem, e fazer tudo de novo. Eu e as ladeiras
de Curitiba ainda temos contas a acertar. POR QUE QUE A GENTE É ASSIM???
texto na integra:
ouça todos,
siga os bons exemplos !!!
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